sábado, 3 de dezembro de 2011

Sede de Real



Encenar “Os amigos dos amigos” é, de certa forma, um jeito de se colocar na contramão de uma das mais visíveis tendências estéticas da produção cultural de nosso tempo. Sedento de real, nosso tempo tem, cada vez mais, preferido o documento ficcionalizado às verdades da ficção.

Na grande mídia, os reality shows impõem-se e o jornalismo faz da matéria rude do cotidiano um espetáculo sentimentaloide desinteressado pela dimensão simbólica e pelas energias arquetípicas que constituem a vida humana. Na literatura, a biografia e a auto-ajuda calaram as vozes do poeta e do narrador. Admitimos, agora, apenas o imediato do biógrafo, do cronista e do conselheiro e rejeitamos abnegadamente o desafio da exegese que nos impõe o narrador.

No teatro, tem-se, cada vez mais, preferido o depoimento dos atores e dos humoristas em desfavor da voz do personagem. Propala-se (e reduz-se) a experiência teatral a algo que genericamente denomina-se “realidade da cena”. De repente, a fábula e seus personagens tornaram-se piegas, ingênuos e desnecessários.

Exumar esta história de James e trazer com ela seus fantasmas tem a ver com um incômodo de nossa parte em relação a esse estado de coisas. “Os amigos dos amigos” é nosso elogio às sombras e ao mistério, nosso ato de amor ao grande mentiroso que é o inventor de história, nosso voto em favor à inverossimilhança, ao ator como construtor de personagem, ao mito e à metáfora. É nossa maneira de dizer que uma fábula inventada ainda pode ser um perigo. É a expressão de nossa fé na imaginação, no fingimento e em um certo tipo de transcendência que, através da ficção, reinventa e potencializa a experiência real, exatamente porque uma historinha inventada nos afasta temporariamente da realidade.

Filme Bê
Cássio Pires, Julia Ianina, Michelle Gonçalves e Victória Camargo

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